O que é o humano?
Na atualidade vejo a defesa de uma antropologia humana que não está fundada na boa filosofia e que nos leva a um entendimento parcial ou até errado do ser humano. Dentro da psicologia moderna há inclusive alguns modelos que pela sua natureza, inerentemente materialista ou relativista, ignoram alguns pressupostos elementares para o entendimento do ser humano. Decidi escrever este texto apenas para deixar aqui alguns elementos que procuro incorporar no meu trabalho como psicólogo e que me parecem essenciais para um melhor entendimento do ser humano.
Essência e matéria
Antes das coisas existirem materialmente, existem na mente de alguém. Uma casa antes de ser construída existe em termos conceptuais na mente do seu construtor. Um triângulo antes de ser desenhado numa folha existe em termos da sua essência .
O que quer isto dizer ?
Quer dizer que o conjunto de coisas que existem tem propriedades materiais e imateriais. Pensar nas coisas apenas de uma forma, essencial ou material, é perder elementos para uma representação mais completa de tudo o que existe.
Estes conceitos aplicam-se ao ser humano, que tem características essenciais (indispensáveis à caracterização da natureza humana), como por exemplo ser dotado de razão e vontade; e características materiais que compõe os componentes físicos do Homem: carne, ossos, sangue etc… Ao analisarmos o ser humano apenas na sua perspetiva material cometemos alguns erros inclusive de natureza valorativa, pois o entendimento da essência é fundamental para que realizemos o valor do ser humano enquanto um ser diferente entre os viventes.
Não dizemos que o valor da vida de um cão tem o mesmo valor da vida de um humano, porque não o fazemos ? Precisamente pelo entendimento que temos da diferença na nossa essência.
A vida dos humanos tem o mesmo valor ? Se atendermos apenas à parte material do ser humano podemos facilmente cair na falácia de que algumas vidas podem valer mais e outras menos. São as duas dimensões, essencial e material, que configuram o que é a verdadeira dignidade humana.
Causa e finalidade
A causa das coisas diz respeito ao porquê das coisas existirem. Qualquer arguto observador da realidade percebe, ainda que de forma intuitiva, que os fenómenos/coisas estabelecem relações de causa e efeito entre si e que estas causas e efeitos se organizam segundo pressupostos lógicos. A ciência ocupa-se do estudo destas causas e efeitos e da descrição da forma como interagem os objetos pois ao entende-los vamos conseguir prever de forma mais clara as relações e entender o que entra no domínio do possível e do provável.
A título de exemplo, o princípio da não contradição estabelece que não é possível dizer algo e o seu contrário e que as duas asserções tenham ambas valor de verdade.
Talvez a causa mais importante a conhecer na forma como se ordena a realidade e concretamente estas relações de causa efeito seja a causa final. Para bem do argumento vamos usar a palavra função embora duvide que seja a mais rigorosa. Todas as coisas servem uma função, quer isto dizer que apontam para uma finalidade. Tomemos por exemplo o lápis que estou a usar para escrever este texto, ele tem como finalidade o seu uso para a escrita. Podemos usar o lápis para outras funções como desenho, e até para tocar bateria, mas nem todos os seus usos cumprem o propósito para o qual foi criado. Aqui é útil termos em conta duas noções: a de hierarquia nas finalidades consoante estão mais próximas ou não da causa final, e a noção de potência. Um lápis não é capaz de voar até à lua por si mesmo porque enquanto objeto não tem essa potência, ou seja não tem essa capacidade no seu reportório.
Entendendo estes conceitos entendemos melhor como os objetos são criados e as suas funções.
Assim agora podemos passar ao ser humano e veremos que para melhor nos conhecermos é importante conhecermos a nossa causa final como um todo e também das partes. A título de exemplo: usamos a boca para comer e o ato de comer essencialmente serve para termos saúde e sobreviver, contudo é um ato que dá prazer. Se aprendermos apenas a comer por prazer sendo esse o principal objetivo da nossa alimentação vamos criar desordem e uma tensão relativamente às finalidades para as quais orientamos as ações. A consequência para estas desordens é patologia, isto é, um funcionamento menos harmonioso com a realidade. Um paralelismo que podemos traçar é com as leis da física. Alguém que tenta dimensionar uma máquina deve atender aos pressupostos das leis da física para que esta funcione de forma apurada segundo o seu objetivo, caso isto não aconteça existe entropia e a máquina não funcionará de forma adequada.
Podemos fingir que a gravidade não existe, no entanto sentiremos diretamente os seus efeitos de qualquer modo.
Aristóteles uma das figuras mais importantes da filosofia clássica particularmente no estudo da teleologia
Razão e vontade
Como seres humanos somos dotados de inteligência e de uma mente que nos permite aprender. Ao aprendermos sobre a realidade vamos fazendo juízos e tomando decisões pois somos parte ativa nesta realidade. Guiados pela razão somos capazes de ação voluntária, isto é, livre arbítrio. Quer isto dizer que as nossas ações adquirem uma natureza ética e moral na medida em que preservamos estas capacidades. Isto vai sempre e invariavelmente ter implicações na formação da nossa mente e no seu equilíbrio (adesão à realidade).
Alguns teóricos de índole materialista têm vindo a questionar estes pressupostos, contudo se inspecionarmos profundamente os seus argumentos podemos ver que não se sustentam logicamente e que se tratam de estratégias sofistas de retórica. Apesar de podermos dizer que não temos livre-arbítrio para decidir, a forma como nos comportamos revela que verdadeiramente acreditamos que ele exista.
A velha dicotomia entre a busca da verdade e a busca de pontos de vista
Estes temas são vastíssimos e muito se poderia dizer sobre cada uma destas partes, e até sobre outras inclusive. Esta é apenas uma amostra de alguns aspectos que, quando bem entendidos, podem mudar a nossa perceção do humano e consequentemente mudar a forma como se pensa a psicologia do mesmo.