5 Razões Para A Crise Da Autoridade
Tenho vindo a notar que a autoridade, ou pelo menos como a postulamos atualmente, é um termo muitas vezes equívoco e que traz consigo uma conotação negativa. Não são raras as ocasiões em que me deparo com pessoas que equiparam autoridade a tirania (o abuso despótico da autoridade), que não reconhecem o prestígio ou virtude de um determinado cargo, e outras que não reconhecem a hierarquia como um fenómeno natural e que automaticamente se consagra a uma autoridade.
Nota-se no exemplo da política, neste campo ao contrário do que outrora acontecia o político é frequentemente visto com desconfiança e é até muitas vezes equipado ao usurpador oportunista que se serve em vez de servir.
Em conversas de café, nos media e até nas revistas cor de rosa vemos os responsáveis políticos associados a escândalos, corrupções e escárnios de toda a ordem. Escasseiam ou não existem na atualidade, figuras que verdadeiramente incorporem o espírito do rei filósofo inspirador do qual Platão falava, alguém livre de vícios e da ganância e possuidor das virtudes da justiça, temperança, sabedoria e coragem.

Na escola vemos um processo semelhante quando temos nos professores a imagem de avençados do estado sem sentido crítico que se limitam a seguir uma cartilha ideológica. Cada vez menos vemos o professor como o mestre, o diretor do intelecto que por virtude do seu aprofundamento se tornou um sábio numa determinada área e é capaz de partilhar esse conhecimento por forma a formar as mentes dos seus alunos.
Na medicina, os médicos são também alvo da descrença social que cada vez mais os caricatura como sendo marionetas da indústria farmacêutica e do estado sem capacidade e/ou autonomia para ajudarem os seus utentes como outrora faziam. A pandemia veio elucidar-nos sobre estes factos, demonstrando uma conformidade social sem precedentes e posturas muitas-vezes anti-científicas propaladas com evidentes interesses ideológicos e políticos.
Enfim, são muitos os exemplos de cargos que tradicionalmente prestigiantes que, de momento, não usufruem desse prestígio mas o problema será da autoridade per si ou estará relacionado com quem exerce essa autoridade? É fácil fazermos esta confusão e embarcarmos numa deriva libertina onde procuramos libertar-nos de toda a autoridade, contudo importa perceber que essa não é solução. A autoridade é uma condição natural na medida em que a hierarquia também o é, a melhor forma de ordenar a nossa vida individual e colectiva é ordenando a autoridade e estabelecendo de forma mais objetiva os critérios que configuram essa autoridade.
Isso talvez seja tema de uma outra exposição, como objeto deste texto irei elencar algumas das razões para este sentimento colectivo de desconfiança e desprestígio da autoridade:
1- Virus do individualismo
O ser humano agrega-se naturalmente em comunidade na medida em que é capaz de definir finalidades comuns e assim constituir uma pólis (uma comunidade de pessoas organizada por leis, instituições e práticas comuns). Esta é uma condição sine qua non sob a qual assenta a formação do nosso país e da civilização.
Atualmente, vivemos uma era em que os laços que criamos quer em termos familiares quer em termos comunitários estão sob pressão para a desagregação. A cultura incentiva o indivíduo a colocar-se sempre em primeiro lugar, galvanizando o egoísmo e isolamento social das pessoas. Esta é a mesma cultura que proclama que devemos ser auto-suficientes, ao mesmo tempo que nos torna a todos cada vez mais dependentes do estado. Com isto sofre a família, a unidade básica da sociedade que se vê com cada vez menos autoridade e autonomia e vê os seus membros num funcionamento cada vez mais atomizado, fruto também em parte da ausência de direção espiritual da família, isto é, o estabelecimento do paradigma moral em que a família opera.
2- Falácia da igualdade
Um dos alicerces filosóficos que domina as escolas de pensamento modernas é a ideia de igualdade. Um triunfo da cultura marxista levou a que fosse incorporado na cartilha de valores da nossa sociedade a igualdade como um fim em si mesmo. Esta doutrina está plena de sofismas e erros de lógica que não estão de acordo inclusive com aspectos de ordem natural. O ser humano como ser individual tem aptidões, interesses e competências específicas que fazem de cada um de nós diferentes. Há pessoas mais inteligentes, mais burras, mais aptas a uma coisa e menos aptas a outra e isso estabelece naturalmente diferenças entre nós que são muitas vezes valiosíssimas em termos da riqueza e diversidade de contributos sociais que cada um de nós consegue produzir. O problema é que nesta lógica da igualdade como fim em si mesmo a diferença não é bem-vinda e muito menos apreciada.
Também como fruto desta doutrina tendemos a considerar todas as opiniões como sendo “iguais”, o peso do voto de todos como sendo igual, quando isto é evidentemente um engano uma vez que temos naturalmente pessoas mais instruídas e menos instruídas para proferir opiniões sobre determinados assuntos, assim como temos opiniões que são erros a todos os títulos e opiniões que são fundadas na verdade.
3- Ausência da hierarquia
Do mesmo modo que a perfeita constituição do corpo humano resulta da união e da articulação dos membros, que não têm as mesmas forças nem as mesmas funções, mas cuja feliz associação e concurso harmonioso dão a todo o organismo a sua beleza plástica, a sua força e a sua aptidão para prestar os serviços necessários, assim também, no seio da sociedade humana, acha-se uma variedade quase infinita de partes dissemelhantes. Se elas fossem todas iguais entre si, e livres, cada uma por sua conta, de agir a seu talante, nada seria mais disforme do que tal sociedade. Pelo contrário, se por uma sábia hierarquia dos merecimentos, dos gostos, das aptidões, cada uma delas concorre para o bem geral, vereis erguer-se diante de vós a imagem de uma sociedade bem ordenada e conforme a natureza.
Papa Leão XIII in encíclica «Humanum Genus», 20 de Abril de 1884.
As sábias palavras do Papa Leão XIII remetem-nos para a condição natural da hierarquia e estabelecem que uma hierarquia propriamente ordenada (dos merecimentos, dos gostos e das aptidões) é a que produz a sociedade bem ordenada e conforme a natureza. Acontece que atualmente, vivemos numa permanente contradição em termos formais. Por um lado, a ideia de que a “igualdade” é o fim em si mesmo, por outro temos inevitavelmente uma hierarquia de facto porque por muitos artifícios retóricos que empreguemos há sempre uma discriminação quanto mais não seja de ordem natural.
4- Silêncio das elites intelectuais
A academia, os media e a cultura como um todo está tomada por uma paradigma ideológico que auxilia a construir uma narrativa sobre a autoridade que a descredibiliza. São vários os vetores da propaganda que pretendem dissuadir o indivíduo de procurar a verdadeira autoridade enquanto o convencem de que a autoridade reside em si, quando na verdade vive numa cárcere forjada por quem usurpou a autoridade legítima.
Importa portanto nesta fase, voltar a formar pessoas em relação aos critérios que tornam uma autoridade legítima e voltar a criar referências que reabilitem a autoridade e voltem a inspirar pessoas com o seu exemplo.
5- Uma sociedade sem ideais ou com os ideais invertidos (uma imagem deturpada da virtude)
As referências que temos de pessoas virtuosas na nossa sociedade são, muitas delas testemunhos vivos de um vazio na nossa sociedade. Há pessoas elevadas à fama e ao sucesso por razões absurdas e, infelizmente, são muitas vezes estas pessoas que são tidos como modelos para uma parte significativa da população. Quando aprendemos de maus modelos, imitamos os seus maus hábitos e os seus vícios. É muito frequente vermos pessoas “louvadas” pelo seu narcisismo, pela vaidade, pelo materialismo e hedonismo.
Para fazer face a isto precisamos de reconfigurar o que de facto são os nossos ideais e como elevamos alguém por virtude do exercício exemplar desses ideais.
Coronation of Charlemagne - World History Encyclopedia A Coroação de Carlos Magno, 1861, por Friedrich Kaulbach (1822-1903). A pintura retrata a coroação de Carlos Magno (742-814) como Imperador do Sacro Império Romano pelo Papa Leão III (r. 795-816) em 25 de dezembro de 800.
A autoridade que se não exerce, perde-se e de facto vemos isto a acontecer quando cada vez mais nos desresponsabilizamos das tarefas que nos são devidas quer pelo nosso papel social quer pelos dons que recebemos e dos quais não fazemos uso. É importantíssimo que vejamos a autoridade como um dom e um privilégio que temos, que nos permite agir em prol do bem-comum. Sempre com espírito de serviço e com exemplo de sacrifício porque aquele que é o líder de todos não deve nunca esquecer-se que é também o servo de todos.